Coração de Fogo
O ideal apresentado, que fazia possível a secularidade consagrada, foi revolucionário na sua época e Filiação Cordimariana só pôde ser um manancial que nascia no silêncio.
Em 1943, um grupo de Missionários Claretianos acolhe com amor a intuição profética do Pe. Claret e o livro começa a ser “norma de vida” para alguns grupos de mulheres que se organizam não só em Espanha, mas também em vários locais da Europa e América: em todos eles alenta à mesma vida, adivinhando-se já uma unidade singularmente rica nessa diversidade que lhe deu origem.
Em 1947, Pio XII promulga a Constituição apostólica “Provida Mater Ecclesia” que reconhece e aprova os Institutos Seculares. O sonho do Pe. Claret tem já o seu próprio caminho dentro da Igreja e os esforços empreendidos na organização visam já a sua definição como Instituto Secular.
A 21 de Novembro de 1973, festa da Apresentação da Virgem, Filiação Cordimariana é aprovada pela Igreja como Instituto Secular de Direito Pontifício.
Consagração e Secularidade, sob a inspiração materna do Coração de Maria, são o nosso modo de ser Igreja e de realizar a nossa missão no mundo, com o ardor apostólico do nosso fundador.
A consagração indica a mais íntima e secreta estrutura do nosso ser e do nosso agir. É, simplesmente, viver a plenitude do amor ao estilo de Cristo. A profissão dos conselhos evangélicos leva-nos a viver com radicalidade a nossa consagração batismal e a seguir e imitar mais de perto a Jesus Cristo no meio das realidades temporais, no meio das condições ordinárias da vida. Assim consagramos o mundo a Deus no mais íntimo do nosso coração e inoculamos desde dentro, como fermento, a força dos valores evangélicos aos valores humanos e temporais.
O nosso ideal de vida, plasmado no nosso Direito Próprio, é claro e entusiasmante:
A vivência da castidade manifesta no nosso ser, qual milagre, a ilimitada profundidade, a doação total e a universalidade do Coração de Deus, a um mundo que se inclina sobre si mesmo egoisticamente. Liberta o nosso coração, tornando-o fecundo, para que se inflame mais no amor de Deus e a toda a humanidade.
A nossa pobreza voluntária pelo seguimento de Cristo diz ao mundo a bem-aventurança da liberdade no uso dos bens temporais e dos meios de civilização e progresso sem se deixar escravizar por eles, e manifesta, ao mesmo tempo, a presença e a solidariedade para com os irmãos que sofrem.
A nossa obediência evangélica revela ao mundo a felicidade libertadora de viver sob a vontade de Deus Pai na mediação da Igreja, do Instituto e, através dos sinais dos tempos, na vida quotidiana.
A Secularidade indica a nossa inserção no mundo como lugar próprio da nossa responsabilidade cristã. Não equivale a uma presença no mundo meramente física ou sociológica, nem ao facto de realizar um trabalho profissional. Implica, sobretudo, uma atitude interior face às suas realidades e ao modo de estar imersas nele, partilhando as fadigas e as esperanças de toda a humanidade. É-nos exigido viver no mundo, lado a lado com todos os irmãos, inseridas como eles nas vicissitudes humanas, responsáveis com eles pelas possibilidades e riscos da sociedade, implicadas nas mais variadas profissões ao serviço do projeto de Deus, que não é outro que conseguir que as pessoas vivam. Os membros dos Institutos Seculares hão de ser, por vocação, segundo o dizer de Paulo VI, «peritos em humanidade». Estamos chamadas a prolongar de um modo particularmente intenso o mistério da Encarnação do Filho de Deus que se fez homem, que passou por um de muitos e passou fazendo o bem.
Da mesma forma, temos como missão levar todos e tudo à sua plenitude em Cristo, restaurando o sentido e a bondade de tudo o que foi criado, porque toda a Criação está consagrada desde o princípio. «Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa» (Gn 1, 31).
Somos chamadas a estar presentes no mundo (Est. art 39), a centrar o nosso olhar no mundo que nos rodeia, na missão que nos foi encomendada de ser luz, sal e fermento de Evangelho que transforma a massa, nas condições ordinárias da vida: a partir da simplicidade, do quotidiano, do pequeno, do impercetível. Desejamos contemplar o mundo com os olhos e com o coração de Deus... com os olhos e com o coração de Nossa Senhora! É este - e não outro - o olhar que os membros dos Institutos Seculares hão de dirigir ao mundo (cf. Paulo VI aos II.SS.: 02/02/72 e 20/09/72).
O compromisso batismal, afiançado pela consagração, leva-nos a trabalhar na caridade de Cristo pela salvação deste mesmo mundo para o configurar segundo o desígnio divino e santificá-lo a partir de dentro, sem nos subtrairmos nunca às exigências do Evangelho. Assim, a nossa condição sociológica converte-se em realidade teológica e em caminho de Salvação (cf. Paulo VI aos II.SS.: 02/02/72 e 20/09/72).
Em virtude desta secularidade para atuar no mundo e o fazer presente à Igreja, sacramento de Salvação, foi-nos dado como missão o testemunho da vida e da palavra para que a luz do Evangelho brilhe na vida diária e adquira uma singular eficácia nas condições comuns do mundo e naqueles lugares e circunstâncias aos que só pode chegar por nosso meio.
A nossa tarefa evangelizadora, portanto, é tão simples, variada e universal como a própria vida e abraça, com idêntico empenho, tanto os âmbitos do trabalho profissional (escolas, universidades, hospitais, comércios, trabalho social…) como a inserção na pastoral de conjunto das respetivas Igrejas locais e a colaboração direta com outros ramos da Família Claretiana.
A nossa forma de viver pode ser na própria família com os pais ou irmãos, em grupos fraternos ou sozinhas, fomentando-se entre nós fortes laços de comunhão que ultrapassam o meramente circunstancial dos lugares, modos de vida, idades, culturas, etc.
Para nós, chamadas a viver sob a influência materna do Coração de Maria, o modelo perfeito desta vida de consagração secular é Maria. Ela configura-nos ao Filho na frágua do seu amor. Nela vivemos para prolongar a sua maternidade espiritual no meio de todas aquelas situações que reclamam uma nova “visita” de Deus aos homens, sedentos de salvação e de esperança. Com a simplicidade e humildade de Nossa Senhora permanecemos no meio das situações ordinárias da vida, atuando à maneira de fermento, sendo geradoras da Vida de Cristo, como nas bodas de Caná. Nós, como Maria, prolongamos o seu ser maternal neste mundo tantas vezes sem mãe, recriando as estruturas, transformando-as através dos nossos trabalhos, dos nossos cuidados… sendo laboratório experimental, ala avançada da Igreja, abrindo novos caminhos de evangelização nos âmbitos mais variados com uma marcada sensibilidade que leva a uma autêntica promoção da mulher e ao mundo dos excluídos. O nosso ser e a nossa missão hão de fazer germinar os valores do Reino através da solidariedade com todos aqueles que já não “vivem”, com todos aqueles a quem se lhes nega a vida.
Como Claret quis desde a primeira hora, o Coração de Maria é para nós ambiente, claustro e motor que nos lança ao mundo com a mesma urgência evangelizadora. «A luz das vossas obras resplandecerá como uma tocha» (Pe. Claret, Livro Fundacional).
Deste modo, ser Filhas do Coração de Maria implica um forte chamamento, como dom e tarefa, a ser irmãs e a mimar a graça de uma fraternidade que brota da nossa identidade mais genuína: «Somos irmãs porque somos filhas».
Estamos persuadidas de que mais do que pelas obras, a nossa vida é fecunda pelo Ser. É de vital importância, portanto, estar em contínuo contacto com o Senhor através da oração e da escuta da Sua Palavra que nos levam a viver a partir Dele todas as circunstâncias, sendo assim contemplativas na ação como o foi Maria. A Eucaristia é o centro do nosso dia e nela renovamos, diariamente, a nossa consagração para ser por Cristo, com Ele e Nele pão que se parte e reparte para a vida do mundo.
Resumindo, uma Filha do Coração de Maria é uma mulher que vive desde a interioridade do Coração de Maria o mistério da encarnação de Jesus no quotidiano, na história do homem de hoje e une a radicalidade da consagração- em castidade, pobreza e obediência- e da secularidade «para que o mundo tenha coração».
Atualmente Filiação Cordimariana vive e trabalha em vários países da Europa e América, concretamente em Espanha, Itália, Portugal, Inglaterra, Argentina, Brasil, Colômbia, Panamá, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Terminamos, em jeito de síntese, com a voz de João Paulo II aos Institutos Seculares na sua belíssima exortação apostólica Vita Consecrata:
«O Espírito Santo, artífice admirável da diversidade de carismas, suscitou no nosso tempo novas expressões de vida consagrada, como que desejando corresponder, segundo um desígnio providencial, às novas necessidades que a Igreja encontra hoje no cumprimento da sua missão no mundo.
Vêm ao pensamento, antes de mais, os Institutos Seculares, cujos membros pretendem viver a consagração a Deus no mundo, através da profissão dos conselhos evangélicos no contexto das estruturas temporais, para serem assim fermento de sabedoria e testemunhas da graça no âmbito da vida cultural, económica e política. Através da síntese de secularidade e consagração, que os caracteriza, eles querem infundir na sociedade as energias novas do Reino de Cristo, procurando transfigurar o mundo a partir de dentro com a força das bem-aventuranças. Desta forma, ao mesmo tempo que a pertença total a Deus os torna plenamente consagrados ao seu serviço, a sua atividade nas condições normais dos leigos contribui, sob a ação do Espírito, para a animação evangélica das realidades seculares. Os Institutos seculares contribuem assim para garantir à Igreja, segundo a índole específica de cada um, uma presença incisiva na sociedade» (nº 10).